sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Nova obra de Daniel Munduruku promove reflexão sobre as ‘coisas que aprendemos’

Por Oráculo Comunicação
das coisas que aprendi capaVocê já parou para pensar nas coisas que você aprendeu durante toda a sua vida e o valor que elas tem no momento atual? É este exercício de reflexão poética que o escritor Daniel Munduruku, um dos autores indígenas mais conhecidos e respeitados do país, realiza sobre sua própria existência na mais nova obra “Das coisas que aprendi”. O livro é composto por textos que trazem um olhar diferenciado sobre a natureza humana e sua relação com o mundo que o cerca e estimula o leitor a realizar sua própria leitura sobre as coisas que aprendeu em sua trajetória.
Para chegar ao resultado final, foram dois anos de muita escrita e observações do próprio autor durante suas participações no universo da literatura, de sua militância social a favor dos povos indígenas e de sua atuação como educador no cenário nacional.
Desse exercício, o resultado é encantador, apresentando aos leitores o olhar híbrido que desenvolveu ao longo dos anos e, ao mesmo tempo, um grito de esperança nos caminhos do mundo.
O livro traz  imagens do fotógrafo mato-grossense Antonio Carlos Ferreira Banavita que aceitou o desafio de escolher fotos que pudessem se adequar aos textos do autor. A Participação de Banavita também revela muito do seu aprendizado, em especial no que diz respeito aos povos indígenas. O livro foi editado pela Uka Editorial em parceria com a empresa Grão de Arroz, de Salvador. O resultado? É conferir este belíssimo e poético livro que é, ao mesmo tempo, um conforto e um presente aos leitores da vasta obra de Daniel Munduruku,  e pensar nas coisas que aprendemos em nossa vida.
Onde adquirir:
Os pedidos podem ser feitos por email: ukacontato@gmail.com ou pelo face:www.facebook.com/institutouka
Postagem original: https://oraculocomunica.wordpress.com/2015/02/27/nova-obra-de-daniel-munduruku-promove-reflexao-sobre-as-coisas-que-aprendemos/

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

ECOHVALE - 1º ENCONTRO DE CONTADORES DE HISTÓRIAS DO VALE DO PARAÍBA - APRESENTAÇÃO -


O vale do Paraíba tem uma importância cultural estratégica seja por unir dois grandes centros como Rio de Janeiro e São Paulo, seja por estar na confluência com a serra da Mantiqueira e o sul de Minas Gerais e a Serra do Mar. Historicamente foi palco de muitas passagens importantes na formação da identidade brasileira e centro de atração das mais diversas culturas que culminou por formar a própria identidade paulista. Também por isso foi berço de uma cultura popular riquíssima que até hoje mexe com o imaginário nacional. Na região nasceram grandes poetas e escritores sendo o mais ilustre deles Monteiro Lobato, o visionário empresário que soube capilarizar as matrizes da formação nacional criando personagens que tipificam esta prolífera região brasileira.

No princípio, no entanto, era o verbo que por aqui corria solto. Aqui estavam as histórias dos povos nativos que primeiro a habitaram; em seguida chegaram as histórias dos negros africanos trazidos escravos; depois o verbo veio montado nos burros que cortavam São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro; mais recentemente o verbo apareceu trazido pelos migrantes europeus que vinham trabalhar nas lavouras de café e, finalmente, a palavra se fez presente pela voz dos retirantes oriundos de distintas regiões do País.
Isso já nos dá motivos de sobra para festejar nossa diversidade regional! Porém, queremos um pouco mais que isso. Queremos reunir estas diferentes palavras – que se manifestam em diferentes formas, ritmos, cantos, danças e histórias – para nos conhecermos melhor e festejar aquilo que nos une na diferença: a oralidade.
É com este mote que estamos propondo a realização do  ECOHVALE – 1º. Encontro de Contadores de Histórias do Vale do Paraíba a ser realizado entre os dias 13 a 16 de maio de 2015, na cidade de Lorena. Durante esses dias teremos uma programação variada que irá contemplar palestras, Rodas de Conversas, oficinas e uma maratona de contação de histórias que será realizada em diferentes espaços da cidade de Lorena ou, dentro das possibilidades, em outras cidades da região do Vale do Paraíba. Para isso convidamos nomes consagrados na arte de contar histórias que virão nos brindar com sua experiência e arte fortalecendo os grupos locais de contadores de histórias.
Para esta primeira edição homenagearemos a Amazônia trazendo de lá contadores de histórias para nos fazerem conhecer a magia dos encantados escondida na grande floresta amazônica e repassada por gerações através da palavra.
Nossa programação irá alcançar todos as faixas etárias e queremos contar com a presença de diferentes grupos de contadores de história da região, de educadores das redes de ensino, de estudantes universitários e, claro, crianças e jovens em nossos saraus e maratona de contação de histórias.
Nossa proposta quer se transformar numa metodologia capaz de ser replicada nos diferentes municípios da região atingindo, assim, o público valeparaibano de maneira dinâmica e estratégica na formação de leitores conscientes de seu papel social. Dessa maneira cumprimos nosso papel de artífices nas construção de uma pátria mais educadora.

De 13 a 16 de Maio - 2015
Lorena/SP
www.institutouka.blogspot.com
ukacontato@gmail.com

PROGRAMAÇÃO DO ECOHVALE - "NOS CAMINHOS DA ORALIDADE"


1º Dia –13/05 - Quarta-feira (FATEA)

8h00 às 09h00 – Credenciamento
09h30min – Acolhimento Poético (Grupo de Contadores da FATEA - Lorena/SP)
Grupos de cultura local
09h45 às 10h15 – Mesa de Acolhida:
Daniel Munduruku - Presidente do Instituto UKA
Autoridades e apoiadores do evento

10h30 às 12h15 - Conversa com Regina Machado

14h00 – Grupo de cultura de Lorena
14h30 às 17h00 – Roda de conversa afro-brasileira
Facilitador:  Sansakroma Sem Fronteira – Cantos e Contos com  Arte Africana
18h às 18h50 – Redemoinho de histórias
Local: Praça da Matriz
19h00 – Audiência pública sobre a construção do plano Municipal do Livro, Leitura e Literatura
Local: Câmara Municipal de Lorena
Organização: Instituto Uka, Polo de Leitura ValeLendo

2º Dia – 14/05 - Quinta-feira (FATEA)

08h30min – Acolhimento poético (Grupo de Contadores Cirandeiros da Palavra/PA)
9h00 - Mesa redonda – Histórias de contadores de histórias
Grupo Malba Tahan de Contadores de histórias da FATEA (SP)
Sônia Santos (PA)
Mediação: Olga Arantes (Fatea)

10h às 10h30 –Debate

10h30 as 10h45 – Intervalo

11h às 12h15min- Mesa redonda – Mitopoética
Saci – Prof.ª Ms. Margareth Marinho (MG)
Boto – Juraci Siqueira (PA)
Makunaima - Cristino Wapichana (RR)
Mediação: Giselle Ribeiro (PA)
30 minutos de Debate
12h45 – Intervalo para almoço

TARDE - 14h às 18h - Oficinas
Oficina 01 – Reencantar o mundo contando histórias - Margareth Marinho (MG)
Oficina 02 – A oralidade: No principio era o verbo - Os fios da memória presentes na voz do Contador de histórias – Andréa Cozzi (PA)
Oficina 03 – Histórias que ecoam no vale do Paraíba – Olga Arantes e grupo Malba Tahan de Contadores de Histórias
Oficina 04 –Ler e contar, contar e ler  - Francisco Gregório (RJ)
Oficina 05 – Contando histórias de índio? - Cristino Wapichana (RR) e Tiago Hakiy (AM)
18h30min às 19h30min – Roda de histórias ou cortejo com música e poesia.

20h30min – Palestra-poética com Socorro Lira

3º Dia – 15/05 – sexta-feira
8h00 – Acolhimento poético
Tiago Hakiy (AM) e Antonio Juraci (PA)
8h30 as 9h30 – Roda de conversa sobre cultura popular
Valdeck de Garanhuns (PE) – Mitos e Lendas Brasileiras
Francisco Gregório (RJ) - Oralidade, afeto, cidadania e Práticas Leitoras: vivências de um contador de histórias.

9h30 as 9h45 – Debate
9h45 às 10h – Intervalo

10h00 às 12h00 – Roda de conversa Indígena
A história de Uma Vez
Daniel Munduruku (SP)
Cristino Wapichana (RJ)
Mediação: Edson Krenak (MG)
12h as 12h15 - Debate


TARDE - 14h às 18h - Oficinas

Oficina 01– Reencantar o mundo contando histórias - Margareth Marinho (MG)

Oficina 02 – A oralidade: No principio era o verbo- Os fios da memória presentes na voz do Contador de histórias – Andréa Cozzi (PA)

Oficina 03 - Histórias que ecoam no vale do Paraíba – Olga Arantes e grupo Malba Tahan de contadores de Histórias/Lorena

Oficina 04 – Ler e contar, contar e ler - Francisco Gregório (RJ)

Oficina 05 – Contando histórias de índio? - Cristino Wapichana e Tiago Hakiy

NOITE
18h30 às 19h30 – Caçada ao Saci
Local – Parque Municipal Águas do Barão.
20h00 – Palestra espetáculo com Bia Bedran

4º dia – 16/05 – Sábado

09h00 às 12h00 – Maratona de contação de histórias
Local: praça Arnolfo Azevedo (evento aberto ao público)

A ideia é que este momento seja vivenciado especialmente pelas crianças e os contadores de histórias presentes se revezem e realizem performances de contação de histórias.

ECOHVALE - 1º ENCONTRO DE CONTADORES DE HISTÓRIAS DO VALE DO PARAÍBA
De 13 a 16 de Maio - 2015
Lorena/SP
www.institutouka.blogspot.com
ukacontato@gmail.com


Literatura Indígena: um cordão de três dobras.

Edson Krenak
edsonkrenak@gmail.com

A sabedoria antiga diz que um cordão de três dobras não se quebra. Temos observado um crescimento contagiante do movimento indígena no Brasil, e isso se deve a uma tríplice dobra desse cordão: a pesquisa, o ensino e o trabalho.

Ainda hoje quando se fala em literatura indígena nas instituições de ensino (Escolas e Universidades) a reação geral de muitos professores é de certo estranhamento e desconforto. Não se tem conhecimento suficiente sobre o assunto, e muito do que se sabe é oriundo de informações equivocadas, incompletas e insuficientes. Mas essa realidade está mudando acentuadamente. Isso é devido a três fenômenos que irei abordar aqui: o surgimento de interessantes pesquisas na área de literatura indígena nas universidades; o ensino de cultura e literatura indígena tanto nas escolas e nas universidades tem se ampliado e saído das cadeiras de antropologia (que tem seu inestimável valor), e, claro, do folclore (que tem seu dispensável valor); e por fim, um movimento de escritores e pensadores indígenas, assim como apoiadores da causa indígena, cientistas e outros interessados têm  trabalhado bastante para que isso aconteça.

A Literatura indígena representou um desafio para os estudos literários, linguísticos e textuais em quase todo o mundo. O conceito de texto é diferente do que é usado na chamada literatura ocidental, cujo código é o da escrita alfabética. Mas esse desafio – que se mostra superado – tem sido abordado de duas maneiras, e por atores diferentes.

Primeiramente, autores como Maria Silvia Cintra Martins (em texto como “Inscrições, Narrativas e Literatura de produção indígena”), Stephen Hugh-Jones (“A escrita na pedra e a escrita no papel”), Janice Thiél (“Pele Silenciosa, Pele Sonora - A Literatura Indígena Em Destaque”), Lynn Mario Menezes (“Uma outra história, a escrita indígena no Brasil”),  entre outros, propõem ampliar a concepção de código e de texto, ressaltando as características multimodais, multi-gráficas (contra a equivocada ideia do agrafismo) das literaturas da floresta. Esses autores, quase todos professores universitários, sinalizam para um crescente, rico e diversificado campo de pesquisa que vem costurando, mais que nunca, diversas áreas  do saber com a literatura, artes, música e dança, dentro do que é chamado estudos interdisciplinares. Mais que nunca, o Brasil pode ver aqui um caldo formidável de produção de conhecimento.

(Obviamente quando as bases do formalismo e do estruturalismo foram abaladas quase que simultaneamente nos anos 60 pelo pós-estruturalismo e outro ismos, o conceito de texto também foi alargado...mas isso é outra discussão...).

A outra maneira que temos visto a pesquisa com literatura indígena no Brasil (o que pode ser constatado também em países tão diferentes quanto Canadá, México e Austrália) é que escritores indígenas, nascidos nas aldeias, nas florestas, enfim, se apropriam da língua do colonizador, aqui portuguesa (do código alfabético) para traduzir a alma, a cultura e a literatura indígenas para esta nova linguagem. Escrevem contos, poemas e romances, autobiografias, e até ensaios, seguindo a tradição do múltiplo: multigêneros, multimodais, multidiscursivos, multilinguagens...multiautoral.

Esta nova literatura indígena está presente principalmente nas escolas e instituições culturais, e também, em eventos que envolvem a literatura infanto-juvenil. Por quê? Porque professores, que não se contentam com o 19 de abril, têm pesquisado a literatura indígena, e trabalhado com escritores indígenas, e com as editoras que publicam essas obras a fim de criar um ambiente literário mais rico e diversificado nas escolas. Algumas políticas públicas têm apoiado também na promoção e distribuição desses livros.

Mas nas universidades já podemos também encontrar inúmeras dissertações de mestrado e teses de doutorado, algumas até mesmo defendidas por pesquisadores indígenas, como Graça Graúna (“Contrapontos da literatura indígena contemporânea no Brasil”), Eliane Potiguara ( reflexões em “Metade Cara, Metade Máscara”), e Daniel Munduruku (com “O Caráter Educativo do Movimento Indígena”) fortalecendo essa primeira dobra da pesquisa em literatura indígena.

As editoras também têm explorado esse renascimento (na língua do colonizador) ou renovação (em novas maneiras de narrar) da voz indígena como um interessante nicho mercadológico, contratando ilustradores de primeiro escalão para ilustrar os livros compondo uma verdadeira obra de arte multimodal numa interessante toada com o acento nativo. Um excelente trabalho, diga-se de passagem, que editoras, governo, agentes culturais e escritores indígenas têm feito para colocar em pauta a literatura que, há cem anos atrás,  Mariátegui disse que não existir e que, um dia, existiria com força...

Veja por

exemplo o movimento das águas e do tempo na capa deste livro de Daniel Munduruku ilustrado por Maurício Negro (ao lado). O sincretismo (texto verbal e imagético) dessa literatura publicada busca dialogar com suas raízes da floresta e da aldeia.

O professor da educação básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) descobrirá nesses aspectos abordados (largamente discutido em nosso livro “Literatura Indígena: modos de usar” a ser lançado em breve) um riquíssimo repertório de ideias para o ensino de língua, história e cultura indígena, conforme obriga (sic!) a Lei 11.645, promulgada em 10 de março de 2008. Re-discutir a História do Brasil, nossos laços indígenas, a questão da terra, do meio ambiente, da ideia de progresso são outras implicações dessa literatura. Isto porque a pesquisa com a literatura indígena não se restringe à universidade.

Além desses aspectos que se relacionam com a história e cultura do Brasil, o professor encontrará na literatura dos povos da floresta informações sobre como vivem os povos indígenas, em quê creem, sua alimentação, música, religião, filosofia, entre outros assuntos. A escola tem também oportunidade de explorar outros vieses; temos visto interessantes trabalhos comparativos com a matemática indígena, a astronomia ameríndia, e, a área mais conhecida: medicina dos pajés e xamãs. Conhecimentos tradicionais que há muito têm entrado para os anais científicos, mas que infelizmente pouco crédito foi dado às fontes aborígenes desse tesouro da humanidade.

Não obstante, diante disso a ponte entre a pesquisa e o ensino é facilmente construída.

Então perguntamos: por que se deve ensinar literatura indígena? Como? Por muitos motivos, mas creio que podemos citar somente dois. O primeiro, e menos conhecido, é o estatuto histórico da literatura brasileira. A Literatura brasileira nasceu da literatura europeia, especialmente portuguesa, com influências francesa e inglesa (veja os modelos dos nossos maiores: Machado de Assis e José de Alencar, por exemplo). Ela se desenvolveu, tornou-se um sistema autônomo e a Academia a colocou no rol dos Clássicos – um repositório da história e da cultura de uma nação ou de nações. O problema é que essa história não é tão simples assim. Essa Literatura  foi criada e desenvolvida principalmente para informar, imaginar e rotular – e com isso dominar, colonizar – outros povos. A literatura europeia lida aqui mostrava o quão melhor era a vida na metrópole, e a literatura produzida aqui para os europeus lerem eram para mostrar o quão pobre e sem cultura viviam os povos d’alem mar, o quão esses povos precisavam de um rei, de uma lei e de uma fé, pois coitadinhos não tinham nada...

Isso explica por que as expressões nativas foram marginalizadas, apagadas e quase destruídas por completo. Esse combate ideológico empreendido pela colonização explica nossa história, tratar disso é conhecer nossas raízes, explicar nossos problemas, é entender nossa cultura, no ver em um espelho mais limpo. Somente assim, podemos resgatar de maneira justa e sem estereótipos e (mais) injustiça o lugar dos povos nativos destas terras d’alem mar.

O outro motivo (dentre outros, é claro) é que os alunos devem ser capazes de aprofundar o conhecimento de seu país, e apreciar a contribuição contínua dos povos indígenas não somente para o Brasil, mas para toda América Latina. A prioridade no ensino de Literatura indígena é a compreensão das formas de vida indígena, interpretar sua maneira de estar no mundo, sua relação com a terra, com as tradições, e fruir as expressões artísticas indígenas, respeitando-as em sua diferença.

O resgate, o respeito e a promoção dessa literatura são garantidos por leis internacionais e nacionais:



(Constituição Federal Brasileira. Artigo 231 "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens."



Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas (ONU). Artigo 5:  “Os povos indígenas têm o direito de conservar e reforçar suas próprias instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais, mantendo ao mesmo tempo seu direito de participar plenamente, caso o desejem, da vida política, econômica, social e cultural do Estado.”



Convenção n° 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. Artigo 2°: “Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade. 2.Essa ação deverá incluir medidas: a) que assegurem aos membros desses povos o gozo, em condições de igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional outorga aos demais membros da população; b) que promovam a plena efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais desses povos, respeitando a sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições  e as suas instituições.”).



A proteção e o desenvolvimento da cultura indígena são garantidos por essas leis e, de quebra, fortalece nosso sistema jurídico. Deve ser um orgulho de todos os povos proteger e assegurar a vida e as expressões dos povos tradicionais, mesmo que em minoria.

Para que isso aconteça no seio da sociedade brasileira, todos devem se envolver. Agora, destacamos o terceiro ponto deste artigo: o trabalho. O trabalho tão bem feito por atores sociais, como escritores indígenas e outros profissionais da cultura. Destacamos aqui o trabalho dos escritores indígenas: Ailton Krenak, Kaká Wera, Olivio Jecupé, Daniel Munduruku, Cristino Wapichana, Tiago Haiyki, Graça Graúna, Eliane Potiguara, Roní Wasiry Guará, entre outros que, principalmente, apoiados pelo Instituto UKA têm promovido a literatura indígena. Estes têm trabalhado arduamente para a promoção da cultural e artísticas das expressões indígenas.

A literatura enquanto expressão da cultura, e dispositivo que comunica e compartilha bens espirituais, intelectuais e estéticos, entra na sociedade, ou opera na sociedade somente por condições bem específicas, as quais o mestre Antônio Cândido já ensinara, a saber, as condições de produção, circulação e recepção.

Nas últimas três décadas (desde o início dos anos 80), escritores indígenas de diversos povos têm mostrado na e pela língua portuguesa uma gama enorme de narrativas indígenas, renovando, recontando, recriando e produzindo a literatura indígena do Brasil.

É importante destacar que a literatura indígena do Brasil não nasce aí. Ela existe desde há muitos séculos, mas antes era intermediada, conhecida somente por traduções e coletâneas feitas por viajantes, escritores não indígenas, linguistas e antropólogos. Mas nos últimos anos, podemos afirmar que essa literatura é novamente apropriada pelos seus originais “autores”.

As condições de produção dessa literatura, assim como a circulação e recepção têm muitos desafios: precisamos aumentar os números de escritores indígenas, treiná-los nas técnicas de tradução cultural e produção em língua ‘estrangeira’ (a língua portuguesa é falada nas comunidades, mas com muitos limites impostos até mesmo pela realidade educacional do Brasil).

Além disso, precisamos ir além das escolas para divulgar nossos livros, fazê-los circular em diferentes espaços como universidades, nos departamentos de Letras, em Institutos de Pesquisa, Institutos de promoção cultural, centros culturais, livrarias, entre outros. A recepção constitui um desafio a toda produção literária, mas acreditamos que o trabalho que tem sido desenvolvido tem sido um bom caminho, principalmente com os parceiros professores da educação básica, nos cursos de formação de professores, na discussão na mídia e em outros meios adequados. Nosso objetivos é fazer com que novos leitores se interessem cada vez mais por essa impressionante literatura ancestral.

Assim, o trabalho do movimento indígena, como mostrado na tese de doutorado de Daniel Munduruku, tem um caráter educacional, sobretudo, porque busca ampliar o diálogo com a sociedade brasileira. Essa proveitosa interação tem sido vista em espaços como centros culturais, Jornadas literárias e culturais, concursos literários, caravanas de promoção do livro, e tantos outros mecanismos de desenvolvimento da cultura.

Esse diálogo  didático, de caráter educativo visa humildemente  re-ensinar as novas gerações ler outros textos (não somente clássicos e eletrônicos), outras culturas, outras identidades. Contribuir para uma leitura mais rica, mais humana. A literatura indígena ensina a ler mais que simplesmente textos, mas vidas, identidades, o Outro. Ensina a ler o outro para aceitá-lo e comungar com ele - este é o trabalho da Literatura Indígena.

Talvez meus colegas de universidade estejam me reprovando aqui, ao me verem defender essa função pedagógica da literatura. Mas é exatamente isso. A literatura indígena, assim como outros conhecimentos tradicionais indígenas tem muito que ensinar, desde que o leitor queira ler, ouvir e aprender...

Nessa tríplice dobra, a literatura indígena tem sido um testemunho poderoso da força e da excelência de povos que, apesar de tudo que sofreram, estão aqui no século XXI se renovando, enriquecendo e desafiando a sociedade. E, à medida que esse testemunho é conhecido, pela pesquisa acadêmica ou cultural, pelo ensino, seja na educação básica ou na universidade, e também pelo trabalho abnegado de tantos, a sociedade como um todo ganha. A justiça, o conhecimento e a beleza triunfam.

Publicado originalmente em Blog do Instituto UKA.